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BELO HORIZONTE, A CIDADE DO IMPALPÁVEL!

...-A senhora vai me dizer o seu pensamento sobre tudo isto, pois não sabe disfarçar...Eu não quero ir-me embora debaixo da impressão de que me quer mal...
-Mas eu não lhe quero mal...- e peço desculpa se disse alguma coisa que lhe desagradou.
O que me desagradou foi o que a senhora não disse!
-Então não sei...
-Sabe sim!...

(“A menina morta”Cornélio Penna)

                   Quando o consagrado escritor mexicano Juan Rulfo esteve em BH, comentou que esta cidade poderia ser considerada a capital da América Latina. Talvez o autor de Pedro Páramo, cujo realismo fantástico elimina as fronteiras que separam os vivos e os mortos, tenha percebido que aqui pairava o mesmo gosto pelo insólito e a mesma irresistível atração pelo mistério, que fazem o fascínio de sua literatura e a sedução de nossos habitantes.

Quem sabe não lhe soou familiar o caráter insondável deste povo centrado em Minas Gerais, enigmático como as montanhas que os cercam? Não teria ele percebido em nossa própria natureza a presença do impalpável ou do indecifrável que apenas se intui, similar à geografia mineira, com seus relevos e reentrâncias onde algo permanecerá sempre oculto? Quem sabe não lhe instigou em nosso povo um imagético “efeito malacacheta” , como um glossário de camadas superpostas, pedindo e negando ao mesmo tempo o descascamento? Não lhe teria fascinado também, penetrar nosso universo de meias palavras onde se aprende a ler o que não está escrito, ouvir o que não foi dito, a entender o gesto apenas esboçado, e a colher no ar o que ainda nem aconteceu?

Talvez aqui ele tenha encontrado seus parceiros, assim no meio da rua, escrevendo nas paredes, pichando muros, ou vendendo livros nos sinais de trânsito, num desejo manifesto que herdamos de, silenciosamente transformarmos o sonho em imagens ou em palavras escolhidas e catadas uma a uma. Pode ser também que ele tenha se encantado com os inocentes dedos de prosa, dados aqui e ali, tendo mais tarde percebido que existia um “algo a mais” naquela conversa fiada, pois que filosofavam. Sim, porque aqui se filosofa o tempo todo por qualquer motivo não importa o lugar assim como se faz política na fila do ônibus, no aconchego de um cafezinho ou até mesmo quando se pede um desconto na lojinha da esquina.

O pequeno é rigorosamente importante. Escapamos do barroco ostensivo para cairmos na iluminura Roseana de um presépio que faz brilhar o detalhe e valoriza o pequeno, mapeando com gestos sutis e diversos os quatro cantos da cidade. Aqui o progresso não amorteceu a originalidade e nem nos privou das legítimas angústias. Religiosamente mantemos nossa tradição de sofredores convictos, e, incredulamente, apostamos em mudanças impossíveis sabiamente adiando uma possível e ilusória felicidade. Não seria esta a verdadeira chama que nutre o imaginário de nosso povo e que lhes dá um sentido na vida? Existe sabedoria e coragem maior do que se manter esperando, quixotescamente olhando de frente para o escuro? Não seria esse nosso ponto de ligação com o desconhecido e
com o mistério da vida e da morte? Então Juan Rulfo deve ter se sentido em casa e se encantado com nosso encantamento.

Texto de Ione de Medeiros -11/12/2004

 

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